João Amazonas
Muitos o chamavam de Amazonas;
outros apenas de João. Em sua longa militância política, entre 1935 – ano em
que se filiou ao Partido Comunista do Brasil – e a data de sua morte, em 27 de
maio de 2002, João Amazonas sempre teve uma preocupação principal: a construção
partidária. Preocupação traduzida na consciência da necessidade de uma direção
comunista estável para enfrentar os duros problemas de uma atividade partidária
proletária e revolucionária num país de dimensão continental e dotado de
múltiplas realidades locais, como o Brasil. Com base no reconhecimento da
necessidade do domínio da teoria marxista, da dialética materialista, que ele
sempre encarou como fundamental para a atividade partidária madura e
consequente. Isso fez dele uma das grandes lideranças comunistas do século 20
reconhecido no Brasil e no movimento comunista internacional.Estas duas
motivações, que nunca se excluíram em seu pensamento e nação, justificam a
homenagem prestada como patrono do Departamento Nacional de Quadros do PCdoB.
Tinha
23 anos de idade e era dirigente sindical quando se filiou ao partido. A
Aliança Nacional Libertadora alimentava as esperanças dos brasileiros e
mobilizava multidões. Aquele jovem operário paraense foi arrebatado pelo mesmo
sonho. Conheceu a prisão, da qual fugiu com seu companheiro Pedro Pomar em
1941. Foram para o Rio de Janeiro com o objetivo claro de juntarem-se aos que
trabalhavam pela reconstrução do Partido Comunista do Brasil que fora
praticamente desarticulado pela perseguição policial na ditadura do Estado
Novo. Além disso, a União Soviética, que era a demonstração prática da
viabilidade daquele sonho, fora invadida pelos nazistas. Naquela conjuntura,
pensavam, era mais do que nunca preciso unir os trabalhadores e para construir
o futuro.
Foi o
início de uma caminhada que Amazonas só deu por terminada quando, em dezembro
de 2001, no 10º Congresso do PCdoB, o coletivo partidário o liberou da tarefa
de responder pela presidência nacional do Partido e elegeu uma nova direção,
agora encabeçada por Renato Rabelo.
Depois
de décadas de luta, Amazonas inscrevia então mais uma página na história de um
partido que, tendo superado obstáculos que pareciam intransponíveis, estava
consolidado e pronto para novas tarefas e responsabilidades perante o povo e a nação.
Foram
obstáculos enormes. Na década de 1940 foi preciso reunir o que restava da
direção comunista, juntando dirigentes espalhados por vários estados. Amazonas
empenhou-se nessa tarefa; andou pelo Rio de Janeiro, Minas Gerais, sul do
Brasil e foi, assim, um dos principais protagonistas da reorganização comunista
ocorrida na Conferência da Mantiqueira, de 1943.
Ele
sempre comparou o Partido com a mitológica Fênix, a ave que renasce de suas
cinzas; naquele ano foi a primeira vez que assistiu a este teimoso
reaparecimento. Já era um dos mais destacados dirigentes do Partido Comunista
do Brasil, prestígio que o levou, no final da ditadura do Estado Novo, a
tarefas que pareciam além de suas forças, como a construção do Movimento
Unificador dos Trabalhadores (MUT) em 1945; ou à eleição como deputado
constituinte em 1946, quando se destacou em defesa dos trabalhadores, da
democracia e da nação.
Outros
obstáculos viriam. A organização comunista sempre fora alvo da fúria
conservadora. Já em 1947 o Partido perdeu o espaço legal conquistado e foi
jogado novamente na clandestinidade. Os comunistas tiveram que aprender a
entender o Brasil para formular táticas e formas de luta adequadas para nossa
realidade. Foi um aprendizado árduo, marcado pela oscilação entre ilusões
reformistas e esquerdistas, durante o qual Amazonas manteve sempre uma certeza,
como relatam seus companheiros daqueles tempos turbulentos: a necessidade de
trabalhar para unir os democratas, os progressistas e os patriotas em torno do
proletariado e seu partido. Era uma verdadeira obsessão de um dirigente que
sabia ouvir as opiniões dos demais e exprimia-se sempre de forma calma, mas com
muita firmeza. Um traço característico pessoal que ele nunca perdeu, mas
acentuou à medida em que a idade avançava.
O auge
da turbulência ocorreu entre 1956 e 1962, na luta interna que dividiu o partido
em dois campos. Um, reformista e caudatário das mudanças revisionistas no
Partido Comunista da União Soviética desde seu 20º Congresso. Outro, do qual
Amazonas foi uma das figuras de maior destaque, insistia na manutenção do
caráter revolucionário do Partido Comunista do Brasil e seu papel de vanguarda
proletária avançada naquele período em que nosso país vivia mudanças profundas.
A
resolução daquela crise teve o significado de um novo renascimento; a Fênix
voltava a bater as asas na Conferência Extraordinária de 18 de fevereiro de
1962, quando Amazonas, à frente daqueles que – com Maurício Grabois, Pedro
Pomar, Carlos Danielli, Carlos Guilhiardini, Lincoln Oest e tantos outros –
reorganizaram o partido.
Foi
outro desafio gigantesco. Enfrentou o revisionismo e embates internos que
ameaçavam liquidar a organização da vanguarda proletária. Sofreu todas as
agruras da ditadura militar de 1964, que prendeu, torturou, assassinou e exilou
dirigentes comunistas e, na década de 1970, praticamente destroçou – outra vez
– a direção comunista, fraturada pelo episódio dramático da Chacina da Lapa, em
1976. Organizou a Guerrilha do Araguaia, na qual foi um dos principais
dirigentes e à qual entregou suas melhores forças quando já beirava os 60 anos
de idade. Uma experiência cuja memória, décadas depois, ainda emocionaria
aquele homem que parecia ser a encarnação da razão, e que explica seu gesto de
pedir, à beira da morte, que as cinzas de seu corpo cremado fossem espargidas
naquela região de luta intensa onde tombaram tantos heróis comunistas, as
margens do Araguaia.
A
anistia de 1979 levou a condições menos drásticas da semilegalidade. Amazonas
identificou, no avanço da luta popular e do movimento grevista, a chance de
avanços democráticos e de fortalecimento do partido. Foi intransigente na
recusa a qualquer acordo com a ditadura em crise, e na defesa do compromisso
classista, revolucionário e socialista do PCdoB.
A luta
daqueles anos levou ao fim da ditadura e àquilo que ele chamou de “encruzilhada
histórica” contrapondo duas opções excludentes para o país: o avanço ou o
atraso. A construção de um país democrático, ou o retrocesso neoliberal. João
Amazonas empenhou-se outra vez em unir as forças democráticas e progressistas
em torno de um programa popular e democrático para o Brasil, sendo um dos
construtores da Frente Brasil Popular (1989) e da primeira candidatura de Luiz
Inácio Lula da Silva à presidência da República. Foi o início da caminhada que,
em 2002, levou o sindicalista e metalúrgico ao Palácio do Planalto, abrindo
nova etapa na história política brasileira.
Foram
também anos da maior crise, no século 20, da causa comunista. O mundo assistiu
ao desmoronamento da experiência socialista no Leste Europeu, ao fim da União
Soviética e à triunfante propaganda ideológica capitalista que pregava o fim do
socialismo e o enterro do pensamento marxista. Amazonas compreendeu que só
havia um rumo para o enfrentamento daquelas ameaças: a defesa e reafirmação do
pensamento marxista, de um lado, e a análise profunda das condições que levaram
à desagregação. Indicou o papel nocivo do engessamento da teoria como o cerne
da crise do marxismo. Enfatizou o caminho para enfrentá-la: o rompimento radical
com o dogmatismo, o domínio cada vez maior da dialética materialista, o
abandono do modelo único de revolução e socialismo, o estudo da realidade
nacional (que, mais tarde, recebeu a formulação de marxismo+Brasil) e das
condições de transição para o socialismo (que decorre entre outras coisas das
diferentes realidades nacionais e do amadurecimento das contradições
anticapitalistas). Com isso, já no último período de sua vida, Amazonas armou o
partido das condições teóricas que para fortalecer sua organização e coesão e
avançar num momento em que tudo parecia desmoronar.
“João”
tinha a simplicidade dos homens do povo. Falava a linguagem da gente comum, com
a profundidade dos grandes pensadores, em busca do objetivo de sua vida, a
construção e fortalecimento do Partido Comunista do Brasil. Esta é sua maior
contribuição à luta revolucionária: o legado de um partido avançado e moderno,
que mantém a ortodoxia dos princípios e do programa, baseado na filosofia
marxista e comprometido com a conquista do socialismo e com os desafios
contemporâneos.